Hoje eu acordei com uma
saudade absurda da "Tia" Ana, mãe da minha amiga Zakia. Sabe quando,
do nada, você começa a pensar em alguém e as lembranças jorram como um rio
impetuoso em sua mente? Pois é...
Lembro-me de quando tinha
apenas 4 anos de idade. Minha mãe me levava e a mãe da Zakia a levava ao
psicólogo, pois nós fazemos aniversário "no meio do ano", e
consequentemente ou entrávamos adiantadas ou atrasadas em relação às outras
crianças no ano letivo. Nossas mães decidiram que o melhor era que entrássemos
adiantadas, todavia fez-se necessário alguns testes e um breve acompanhamento
com profissional. Haha, recordo-me dos testes, aparentemente idiotas, a que
éramos submetidas: Andar em cima da linha no chão, desenhar uma pessoa,
identificar cores, formas, etc.
Recordo-me de quando estava
com uns 12 anos de idade. A tia Ana ajudava seu marido, Ismail, na grande loja
de "cama, mesa e banho" que eles tinham. Toda vez que eu passava em
frente à loja ela me chamava para entrar e conversar rapidinho e dava atenção
para mim, como se eu fosse a pessoa mais querida e importante do mundo. Perdi a
conta de quantas vezes me encontrava triste e fazia questão de passar em frente
à loja, só para receber o sorriso da tia Ana e o seu amor inegável e puro por
mim.
Amava fazer trabalho escolar
na casa da Zakia (não que eu não gostasse de trazer meus colegas para fazer
trabalho em minha casa). A tia Ana e a Zakia sempre preparavam uma mesa farta,
que pra uma mente infantil mais parecia um banquete, o que de fato era: um banquete
de amor que deixou marcas eternas, não somente em mim, mas em todas as crianças
que tiveram o privilégio de desse banquete um dia provar.
A Zakia e eu fomos da mesma
sala por uma longa época escolar, mas por um bom tempo estivemos separadas,
tanto por sala, quanto por convivência. Crescemos e de certo modo, as
circunstâncias, o coração e a vida nos distanciaram.
Depois que terminei meu curso
superior em Belo Horizonte, escolhi voltar para Luz e morar por mais um tempo
com meus pais. Senti-me deslocada, como seu não mais pertencesse a esse local,
a essa cidade, ainda que tenha nascido e crescido aqui, entretanto faltavam-me
raízes de amor. Certa tarde, passeava eu pelo centro comercial e quando me dei
conta já estava subindo as escadas para o segundo andar, em cima da antiga
loja, onde morava a tia Ana.
Agora com 19 anos, não mais
uma criança, mas ainda muito carente, outra vez o amor da tia Ana me atraiu
para sua casa.. Foram dias preciosos em que pude desfrutar de uma boa conversa
e uma deliciosa comida árabe, que só ela sabia fazer com tanto amor e carinho,
exalando sabores e cores, bálsamo e cura.
Em seus últimos anos de vida
tive o privilégio de poder conversar bastante com ela em seu quarto. Falávamos
sobre tudo: a vida, Deus, amores, roupas, comidas, livros, histórias... Ela me
contava as dela e ouvia as minhas. Não com indiferença, não com impaciência,
apenas com interesse e amor!
Certa vez escolhemos um livro
da minha estante, intitulado Histórias para o coração, de Alice Gray, para
desfrutarmos juntas. E todas as tardes, por volta das 18:30, eu passava em sua
casa e lia uma história (o livro contem mais de 100).
Infelizmente não conseguimos
terminar essa leitura, porque o Pai a chamou para si e nos deixou carentes e
saudosos de sua nobre, estimada e tão preciosa presença física. Acho que ela
foi fazer companhia para Enoque...
“E
andou Enoque com Deus; e não apareceu mais, porquanto Deus para si o tomou.”
Gênesis 5:24
Não posso mais provar da sua
comida, não posso mais ouvir sua voz, não posso mais sentir sua mão calorosa a
me tocar com carinho, mas posso agradecer a Deus pelo privilégio de tê-la
conhecido e com ela convivido. Além do mais posso escrever sobre ela (o que de
fato o faço), não para imortalizá-la (imortal ela é e sempre será), mas sim
para compartilhar com você um pouquinho
do amor que dela recebi. E que amor é esse? Um amor que vale a pena!
Bem, espero que meu bisavô viva por muito tempo. Sempre gostei de conversar com ele sobre o cotidiano. Pena ele ter ido morar tão longe neste momento que há um embate cabeça x coração dentro de mim.
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