“Não estamos sós, mas a crueza
não se dissipa só porque cremos. Há fatos que não poderão ser alterados,
sofrimentos que não poderão ser evitados. Mas Deus me sustenta. Minha fé não
pode me colocar na ilusão de que Deus viverá por mim o que a mim cabe viver.
Ele me fará perceber a Sua presença me sustentando, e só.
Essa desolação que nos ocorre
quando abandonamos a infantilidade em relação à fé é muito saudável. É a partir
dela que passamos a conhecer o verdadeiro papel de Deus em nossa vida. Como
dizia Santo Agostinho, um Deus que me ama para que eu possa amar, que me
encoraja para que eu tenha coragem. Um Deus que antecede em tudo na minha
essência e que depois me dá condições de fazer o mesmo com os outros.
Quando a espiritualidade nos
proporciona o conhecimento de nossas forças humana, estamos, de fato, sendo
movidos pelo Sagrado. Somos o lugar onde Deus ressoa. Sua ação em nós consiste
em nos fazer agir. Ele está antes de todo movimento humano, como um alicerce
antecedendo e permitindo o equilíbrio das paredes. Ele é antes de nós, em nós,
misteriosamente em nós. Sob Sua graça vivemos. É ela que sustenta, mas sem
nunca dispensar o nosso empenho.
... Às vezes eu observo como a
maneira como as pessoas rezam. Chego à conclusão de que não há transcendência naquela
relação. Para muitos, a oração parece ser uma oportunidade de esclarecer a Deus
o que Ele não é capaz de esclarecer sozinho. Rezamos como se estivéssemos dando
ordens. Queremos determinar o agir de Deus, como se Ele não soubesse o que
precisa ser feito. É uma inversão de ordem!
Nós somos sábios, conscientes de
toda realidade, pedindo que Deus faça o que julgamos achar ser o melhor a ser
feito. Não me adapto a essa religiosidade. Prefiro fazer da minha oração uma
oportunidade de confiar a Deus as minhas necessidades. Há muito tempo preferi
assumir essa postura. Sempre que eu me colocava diante de Deus como um pedinte,
era natural que eu pedisse a Ele o que eu mais queria. Mas nem sempre o meu
querer corresponde à minha necessidade.
O meu querer está à flor da pele,
ao passo que minhas necessidades são mais profundas. Eu sei o que quero, mas
nem sempre sei o que necessito, sinto-me mais honesto no reconhecimento de
minha incapacidade de saber o que devo pedir. E então assumo o papel de filho
que não sabe o que pedir. Mas Ele sabe o que necessito. Minha fé não me permite
desrespeitar essa fronteira. Ele é Deus!
Quando insisto em dizer a Ele o
que deve ser feito, alimento, ainda que inconscientemente, uma desproteção.
Preciso dizer, comandar, fiscalizar, recordar, esclarecer. Deixa de ser fé,
passa a ser projeção, pretensão de ser deus de Deus. Fazemos tudo isso de
maneira muito cândida, com as vozes em meio-tom, simulando resignação, submissão,
humildade. Mas na verdade nossas orações podem ser uma expressão de ‘neopaganismo’,
uma vez que o ser humano assume o centro da relação, ficando Deus à margem.
Compreendo que essa forma
equivocada de oração venha de nossa dificuldade em lidar com nossas limitações.
Somos humanos, somos insuficientes. Mas não queremos ser. Diante dos limites há
muitas formas de reagir. Uma religiosidade fecunda pode nos ajudar muito na
lida com esses limites. A fé em Deus nos redime diariamente nos fornecendo
instrumentos de superação. A fé nos reconcilia com os limites, ensinando-nos a
confiança em Sua proteção. Uma proteção que se expressa no cuidado que
aprendemos a ter. Sim, o limite me motiva ao cuidado.”
Padre Fábio de Melo, em
Crer ou não crer,
Páginas 23 a 26, trechos,
Pe. Fábio de Melo e Leandro Karnal, prefácio de Mario Sergio Cortella
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