“Era
uma vez um reino insular muito distante daqui, onde todos os camelos eram altos
e orgulhosos, e os homens eram hábeis ceramistas, usando a argila macia que
havia perto da costa. O rei era justo com seu povo, e um estado de harmonia prevalecia.
Todos podiam comer frutas deliciosas e vestir belas roupas.
Embora
o reino fosse próspero, estava separado do mundo exterior, no meio do mar. Toda
vez que alguém precisava de alguma coisa que não podia ser encontrada na ilha,
um barco era enviado ao continente para trazê-la. Mas as águas ao redor eram
tão perigosas que esses barcos frequentemente afundavam, afogando os
tripulantes.
Bem,
neste reino vivia um homem chamado Jumar Khan. Ele era jovem e belo e possuía
um barco que costumava usar para transportar mercadoria de um reino próximo; na
verdade, muito distante. Ele enfrentava as ondas altas e viajava com
frequência. Numa dessas jornadas, viu um corcel que estava à venda. Era branco
como a neve recém-caída, com uma crina negra como ébano e olhos brilhantes como
brasa.
Jumar
Khan não tinha esposa ou filhos para sustentar e estava com uma bolsa de ouro,
o lucro de muitas travessias perigosas. Perguntou ao proprietário o preço do
cavalo. Seu dinheiro era suficiente, mas o proprietário do animal disse a ele:
‘Vou vendê-lo a você se prometer que nunca o venderá’.
Jumar concordou e entregou o dinheiro. O animal foi
colocado no barco e, por mares revoltos, transportado de volta ao reino.
Alguns anos se passaram, e todos elogiavam o corcel. O
próprio Jumar Khan o amava um pouco mais a cada dia. Então, numa manhã de
inverno, ele partiu numa viagem como costumava fazer, mas uma onda gigante
atingiu seu barco e o esmagou contra os recifes. Jumar e os outros tripulantes
foram salvos pela misericórdia de Deus. Mas, sem o barco, Jumar perdeu seu
ganha-pão e ficou arruinado.
Poderia ter vendido seu cavalo, mas havia prometido
que não o faria. De qualquer modo, adorava-o de coração e não suportaria se
separar dele.
Certo dia, um mercador importante visitou o reino. Ele
era conhecido por sua reputação em todo o Oriente, e seu nome era Sher Ali. Na
sua estada na ilha, ouviu falar de Jumar Khan e do seu infortúnio. E também
soube do fabuloso corcel e da promessa de não vendê-lo. Mas, na experiência do
mercador, todo objeto tem seu preço.
Ele enviou uma mensagem para a casa de Jumar afirmando
que gostaria de ver o animal, pois ouvira dizer que era muito bonito. Sher Ali
chegou na noite seguinte.
Sem dinheiro para pagar empregados, o próprio Jumar
recebeu o convidado e preparou uma refeição fabulosa de carne suculenta com
verduras que ele mesmo cultivara. Sher Ali comeu até não poder mais e, depois
de um copo de chá, perguntou sobre o cavalo.
Jumar Khan se remexeu na sua cadeira. ‘Ó, respeitado
convidado’, respondeu, ‘como bem o sabe, é nossa tradição preparar um banquete para
um visitante. E, quanto mais estimado o visitante, melhor deve ser a refeição. Na
minha condição de pobreza, fui incapaz de providenciar uma refeição digna de um
convidado tão distinto quanto o senhor’, disse Jumar Khan, levando a mão ao
peito. ‘A única maneira que tive de manter minha honra foi lhe servir meu amado
cavalo’.”
Tahir Shah,
Em Noites árabes,
Página 227 a
229
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