“Era uma vez, há muito tempo,
numa terra tão distante que um par de pés não podia alcançar numa única vida,
um dervixe*.
Ele costumava perambular de uma cidade a outra buscando doações e oferecendo
sabedoria quando isso lhe fosse solicitado.
Certa manhã de inverno, enquanto
caminhava por um território descampado entre dois reinos, viu uma laranjeira
carregada de pontos maduros. Há semanas não via uma fruta, pois o inverno
trouxera uma neve espessa e congelara todos os lagos. Então, foi até à árvore e
começou a colher as melhores laranjas. Enquanto colhia as frutas, percebeu uma
luz intensa vinda de uma colina próxima. Curioso para saber o que estava
causando aquela luz estranha, deixou as laranjas e se aproximou cuidadosamente.
Protegendo os olhos com as mãos,
percebeu que a luz irradiava de uma fissura na montanha. Chegou mais perto, pé
ante pé, e espiou pela rachadura. A luz o ofuscou. Acreditando que era o covil
do Anjo da Morte, virou-se e correu para longe o mais rápido que pode.
O dervixe correu e correu até ver
três homens de pé sob uma árvore. Eram ladrões e o teriam matado, mas ficaram
curiosos para saber do que ele estava fugindo. Antes que pudessem interrogá-lo,
o dervixe gritou: ‘O Anjo da Morte está na montanha, e seu rosto brilha como
ouro!’. Os ladrões, que tinham ouvido falar de um fabuloso tesouro perdido e o
procuravam, corretamente deduziram que o dervixe topara com a caverna do
tesouro. Pediram que lhes mostrasse a localização da caverna, para que pudessem
ficar longe dela. O dervixe concordou e os levou até à entrada da caverna.
Agradecendo a Deus os ter
conduzido até à fortuna, os ladrões mandaram o dervixe embora e deslizaram pela
fresta para colocar as mãos no tesouro. A caverna estava cheia de sacos de
moedas de ouro, esmeraldas e rubis e chegava a ultrapassar a cobiça dos homens.
Percebendo que o tesouro era
grande demais para que pudesse ser levado nas costas, os ladrões enviaram o
mais jovem até à cidade para encontrar um cavalo e trazer alguma comida. Quando
chegou à cidade, o ladrão mais jovem roubou um cavalo e comprou dois kebabs,
que envenenou. Galopou de volta até a caverna, onde seus irmãos ladrões estavam
esperando para matá-lo, com o propósito de dividir o tesouro entre eles dois.
Assim que o ladrão mais jovem
voltou, sua garganta foi cortada pelos outros. Procurando na sua bolsa,
encontraram os kebabs, comeram-nos e caíram mortos. Amarrado do lado de fora,
o cavalo conseguiu se soltar e fugiu.
Quanto ao tesouro, ainda está na
caverna, protegido por três esqueletos e pelo Anjo da Morte.”
Tahir Shah, em
Nas noites árabes,
Uma caravana de histórias,
Páginas 128/129
*dervixe - religioso muçulmano
que segue uma
vida de pobreza
e austeridade
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