"A
vocação de Deus é incontestável e irresistível. Incontestável, pois
Ele, ao vocacionar, o faz de forma clara e nada mais enche o coração.
Irresistível pela abordagem, pois quando Deus vocaciona, tudo nos impele
a segui-Lo.
Chamado e vocação são termos correlatos na Palavra de Deus e derivam da expressão kaleo
- chamar. Em todo o Novo Testamento vemos que Ele chama para a salvação
(2 Pe 1.10), para a liberdade (Gl 5.13), para sermos de Jesus Cristo
(Rm 16) e para a ceia das bodas do Cordeiro (Ap 199). Todo chamado se dá
segundo o Seu propósito (Rm 8.28) e somos encorajados a permanecer
firmes no chamado (1 Co 7.20), andar de forma digna da nossa vocação (Ef
4.1) e a vivê-la junto com outros igualmente chamados em Cristo (Ef
4.4).
O
chamado de Deus não é uma prerrogativa do Novo Testamento. Deus, ao
longo da história, chamou o Seu povo para o Seu propósito. Israel é
chamado para ser bênção entre as nações (Gn 12.2) e para anunciar a
salvação e a glória do Senhor (Sl 96.3). Em Isaías, o Senhor fala sobre “todos os que são chamados pelo meu nome”, também menciona que foram criados “para a minha glória” (Is 43.7).
Antes
de tudo, é preciso compreender que, em Cristo Jesus, todos somos
vocacionados (1 Pe 2.9-10). A Palavra deixa isso bem claro ao expor que
somos vocacionados para a salvação, para as boas obras, para a santidade
e para a missão. Ou seja, nascemos em Cristo Jesus com um propósito.
Não estamos neste mundo de forma aleatória e descomprometida. Fomos
salvos em Cristo para fazer diferença – sendo sal e luz - e cumprir o
chamado de Deus. E, dentre todas, a nossa maior vocação é glorificar o
nome de Deus Pai (Rm 16.25-27).
Encontramos também na Palavra de Deus a vocação ao ministério, para uma função específica no Reino do Senhor. Trata-se daqueles que são separados por Deus para uma ação específica e funcional em Sua igreja.
Escrevendo aos Romanos, Paulo se apresenta como “servo de Jesus Cristo, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus” (Rm 1.1), expressando que é servo de Cristo, porém, com um chamado ministerial específico: ser apóstolo.
Ele afirma ser “servo” – doulos – escravo comprado pelo sangue do Cordeiro, liberto das cadeias do pecado e da morte e, apesar de livre, cativo pelo Senhor que o libertou.
Afirma
também ser chamado para ser “apóstolo”, demonstrando que alguns servos
podem ser chamados ao apostolado, porém, não há apóstolos que não sejam
primeiramente servos.
Em
Efésios 4:11, entendemos que o Senhor Jesus chama, dentre todos na
igreja, “alguns” para serem apóstolos, profetas, pastores, evangelistas e
mestres, ou seja, para funções específicas de trabalho.
Quem nós somos - nosso chamado em Cristo - é mais determinador para nosso ministério do que para onde iremos. Não há na Palavra um chamado geográfico (para a China, Índia ou Japão), ou mesmo étnico (para os indígenas, africanos etc.), mas um chamado funcional, para se fazer alguma coisa.
Na exposição aos Efésios, Paulo afirma que alguns foram chamados para ser apóstolos, ou “a pedrinha lançada bem longe”, na expressão de John Knox. São aqueles que vão aonde a igreja ainda não chegou. Há os profetas, que falam da parte de Deus e comunicam Sua verdade. Há os chamados para serem pastores, que amam e cuidam do rebanho de Cristo, que amam estar com o povo de Deus e se realizam ministerialmente cuidando desse povo. Há os evangelistas, que são aqui os “modeladores” do Evangelho, ou seja, os discipuladores. São os irmãos que fazem um trabalho nos bastidores, de discipulado, extremamente relevante para o Reino, o crescimento e amadurecimento da igreja. Por fim os mestres, que ensinam a Palavra de forma clara e transformadora, são os que leem a Palavra e a expõem de forma tão clara que marcam vidas e corações.
Na dinâmica do chamado há certamente uma direção geográfica. Se alguém possui convicção de que Deus o quer na Índia, isso significa que há uma direção geográfica de Deus, não um chamado ministerial. Mas, notem: a direção geográfica muda, e mudou diversas vezes na vida de Paulo. O chamado, porém, permanece.
Paulo foi chamado para os gentios, como por vezes expressa (At.13:1-3). Era uma força de expressão para seu perfil missionário, pois, com exceção dos judeus, todo o mundo era gentílico. Assim, ele expressa em Romanos 15.20 a prioridade geográfica do ministério da Igreja: “onde Cristo ainda não foi anunciado”. Na época, prioritariamente entre os gentios. Hoje, porém, pode ser perto e pode ser longe. Uma pessoa, de qualquer língua, raça, povo ou nação, que ainda não tenha ouvido as maravilhas do Evangelho, é a prioridade de Deus para a obra missionária.
Percebo algumas crises entre os vocacionados no Brasil. As principais talvez sejam de compreensão, discernimento e ação.
A crise de compreensão se estabelece à medida que não entendemos, na Palavra de Deus, que somos todos vocacionados para servir a Cristo. Assim, relegamos o trabalho aos que possuem um chamado ministerial específico. Outras vezes, por associarmos o chamado puramente a títulos ou posições eclesiásticas, esquecendo que fomos todos chamados em Cristo para a vida no Espírito e para o trabalho na missão.
A crise de discernimento nasce quando não fazemos clara distinção entre o chamado universal e o chamado ministerial específico. Podemos passar a vida frustrados em qualquer lado do muro se não buscarmos discernimento vocacional. Esse discernimento é encontrado primeiramente na Palavra, estudando o que a Bíblia nos ensina sobre vocação. Em segundo lugar, caso haja uma convicção de chamado ministerial específico, associando-nos ao trabalho da igreja e passando nossa vocação pelo crivo dessa experiência. Por fim, precisamos buscar ao Senhor em oração especialmente para saber qual será o próximo passo. Deus, geralmente, só nos mostra o próximo passo.
A terceira crise que percebo é de ação. Há um número grande de irmãos e irmãs com clara compreensão bíblica sobre a vocação, claro discernimento sobre os passos a serem dados, mas nunca os dão. Para alguns, esse passo é um envolvimento maior com o ministério da igreja local. Para outros, é seguir para um centro de treinamento bíblico e missionário ou participar de um estágio ministerial. O importante é perceber que, em algum momento ao longo da convicção de um chamado ministerial, é preciso dar um passo.
Somos, portanto, todos vocacionados em Cristo para servir a Deus e glorificar o Seu Nome. Alguns são vocacionados, também em Cristo, para funções específicas – ministeriais – para o encorajamento da igreja e expansão do Evangelho no mundo. Em qualquer situação, a nossa vocação é um privilégio. Na verdade, talvez seja o nosso maior privilégio, bem como o nosso maior desafio."
Ronaldo Lidório